“É preciso que a mulher se escreva: que a mulher escreva sobre a mulher, e que faça as mulheres virem à escrita, da qual elas foram afastadas tão violentamente quanto o foram de seus corpos; pelas mesmas razões, pela mesma lei, com o mesmo objetivo mortal. É preciso que a mulher se coloque no texto - como no mundo, e na história, por seu próprio movimento.” Hélène Cixous.
Tudo que eu tenho antes de imigrar para Portugal é uma caixa na casa da minha mãe. Mais nada. Tudo que sobrou de quase vinte e oito anos de vida estão numa única caixa com diários, cartas e fotos. Tem também dois livros infantis e uma boneca. Só.
Dos vinte e oito até aqui, tudo o que tenho, está comigo, na minha casa. De vez em quando, minha mãe visita a minha caixa, tira fotos e me manda. Ela tem permissão de ler os diários de infância. Minha família nunca teve muito dinheiro, por isso, não temos muitas fotos. Mas, pra ajudar a construir as memórias, tenho diários desde antes de saber escrever. Meu avô aprendeu a ler sozinho, e na sua casa, tinha uma biblioteca no corredor. Eu sempre queria levar três livros, e ele não deixava. Só podia um. Eu tinha que ler, devolver e pegar outro. Os livros mudaram a nossa vida. Minha mãe é professora, e eu, redatora.
Acho adorável que eu tenha usado a palavra “ensolarado”. Y tudo más. Também gosto de ver que eu adorava minha vida, por mais idiota que essa frase possa soar, é verdade. Continuo adorando por boa parte do tempo, pelas exatas mesmas razões descritas na folha com cheirinho de chiclete.
É curioso que o que estou fazendo no diário, e o que estou fazendo aqui 30 anos depois, é igual. Eu aconselho um “alguém” que não conheço.
”Faça um dia que você vai adorar, gostar e amar, de tão legal que é.”
Além do diário, tinha o caderno livre, em que eu podia fazer qualquer coisa. Ainda tenho algo parecido, que recentemente, chamei de “o caderninho do ódio”.
Há 3 anos, comecei a escrever em diários de novo, porque encontrei esse “5 year diary". São 5 linhas por dia, por isso, você consegue ver o que estava acontecendo no mesmo dia em anos anteriores. Além de ótimo material para análise (por exemplo, observo o que me faz sair de estados mais deprimidos), é também material-prova-viva de ciclos muito marcados e coincidências. Consigo ver que existem padrões de humor, de fatos, de ondas e marés de boa sorte.


“Esqueça o quarto só para si – escreva na cozinha, tranque-se no banheiro. Escreva no ônibus ou na fila da previdência social, no trabalho ou durante as refeições, entre o dormir e o acordar.”
Glória Anzaldúa
Já falei pra algumas pessoas que escrevo uma carta por ano pra mim no site Future Me, para receber sempre no primeiro dia do ano. Ser uma boa amiga pra mim não é fácil, mas eu tento. Escrever diário, newsletter, carta são ferramentas de elaboração, possibilidades de partilha. ”Faça um dia que você vai adorar, gostar e amar, de tão legal que é.”
Tamo só marinando por agora…aliás, as mensagens também são diários…
Também tenho diário do que eu como, como é óbvio. Assim, não esqueço das invenções que acontecem espontaneamente com os itens que estão à disposição.
O diário é isso, um jeito de não esquecer aquilo que a gente inventa.
Amei 🫶